quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Auto-Sabotagem

Neste artigo, falaremos superficialmente sobre um problema com que o trader deve saber lidar: ele mesmo. As Finanças Comportamentais estudam os vieses heurísticos comuns na tomada de decisões, dentre os quais, alguns que afetam diretamente os investimentos. Mas, aqui vamos apenas abordar um ponto que cabe mais à esfera psicológica/psicanalítica aprofundar.

Sejam com nós mesmos, com amigos ou com colegas profissionais, já tivemos conhecimento de diversos exemplos de trades “burros”. Defino-os como sendo aqueles em que ficamos tentando entender por que entramos numa posição na qual havia fortes indícios para se assumir exatamente a ponta contrária. E na maioria dos trades burros também não há stop, o que é ainda mais estranho, porque está é a forma mais simples de gerenciar riscos, delimitando pontos de entrada e saída (isto é, lucros e prejuízos máximos). No abandono dos stops, as Finanças Comportamentais dão uma mão dizendo que ocorreu esperança pela recuperação através do otimismo exagerado ou excesso de confiança na tomada de decisão. Para esses casos aparentemente inexplicáveis de erros, a Psicologia e Psiquiatria contribuem elucidativamente.

Dr. Alexander Elder em sua longa experiência como psiquiatra convenceu-se de que a maioria dos fracassos da vida resulta de um desejo inconsciente de fracassar. E explica que isso ocorre quando atuamos como “crianças impulsivas, em vez de como adultos inteligentes”. Observe-se o seguinte caso clínico:

Um importante investidor procurou-me para uma consulta. Seu patrimônio estava sendo destruído por forte alta no dólar, em que assumira grande posição vendida. Analisando seus antecedentes, descobri que ele fora criado às turras com um pai repulsivo e arrogante. Tornara-se conhecido por seus próprios méritos ao apostar muito dinheiro em reversões de tendência em curso. Esse investidor continuou a aumentar sua posição vendida, pois não podia admitir que o mercado, que para ele representava seu pai, fosse maior e mais forte do que ele. (ELDER, 2004, p. 29)

A deflagração da auto-sabotagem ocorreria segundo o também psiquiatra Dr. Flávio Gikovate, da seguinte maneira:

Quando nos aproximamos muito de um estado vivenciado como sendo de plenitude, de que não nos falta nada – e o amor bem-sucedido corresponde a uma das situações nas quais sentimos isso –, passamos a experimentar um medo difuso, a viver uma sensação de ameaça e de riscos iminentes. Parece que alguma grande tragédia passa a nos rondar e, a qualquer momento, nos alcançará. O estado de pânico e pavor pode ser tal que não consigamos vislumbrar outra saída a não ser destruir aquilo que está “provocando” a felicidade e também o medo. (GIKOVATE, 2005, p. 46)

Conclusão e sugestão: “A bagagem mental da infância pode impedir o seu sucesso nos mercados. Você precisa identificar os seus pontos fracos para mudar. Mantenha um diário sobre suas operações de mercado – anote nele as razões que o levaram a entrar ou a sair de todas as posições. Busque padrões repetitivos de sucesso ou fracasso” (ELDER, 2004, p. 29). A solução, então, para resolver isso é a busca pelo autoconhecimento.
Os mercados oferecem muitas oportunidades de autodestruição. Não têm uma solidariedade humana normal. Todos os operadores no mercado tentam bater nos outros. Todos os operadores de mercado são atingidos pelos demais. Afinal, ao contrário do que muitos dizem, investimentos em mercados financeiros não são jogos de soma zero, mas sim de soma negativa: os ganhadores recebem menos do que os perdedores levam de prejuízo porque os intermediadores da operação – corretoras, bolsas e assessores financeiros – precisam receber suas comissões, em outras palavras, as chances estão contra o aplicador.

Outro aspecto ligado a isso é o modo pelo qual o caráter afeta o comportamento do agente no mercado, que pode explicar alguns casos de auto-sabotagem. Note-se a citação: “A culpa não pode existir a não ser depois de determinado grau de sofisticação da razão, que nos permite a operação psíquica um tanto sutil de tentarmos nos colocar no papel de outra pessoa e imaginar o sofrimento dela por conta do que teríamos causado” (GIKOVATE, 2005, p. 24). A partir disso, pode-se dizer que pessoas com caráter generoso não são as mais adequadas a participar dos mercados, pois, se ficarem preocupadas com o bem-estar de seus semelhantes, poderão se sentir culpadas por serem bem-sucedidas, isto é, tirar dinheiro dos outros, já que para isso, é necessário que haja o fracasso na outra ponta. Assim, podem, através de um mecanismo inconsciente causado pelo seu altruísmo pernicioso, devolver seus ganhos na busca de uma equidade distributiva social, visando um bem-estar geral. Logo, o trader pode até compreender como outro agente se frustra e se sente diante de uma perda – isto é denominado de empatia afetiva, que é relacionada à habilidade de experimentar reações emocionais por meio da observação da experiência alheia –, mas, para o caso específico de um caráter generoso, a identificação precisa ser eliminada para não desencadear a auto-sabotagem.

Cada investidor tem seus próprios demônios a exorcizar no esforço de tornar-se um profissional bem sucedido. Pelo exposto acima, pode-se dizer que os vencedores precisam pensar sentir e agir de maneira diferente dos perdedores. Uma regra para a profissionalização dos investimentos financeiros seria “olhar para dentro de si mesmo, deixar de lado as ilusões e mudar as velhas maneiras de ser, pensar e agir. A mudança é difícil, mas se quiser ser um investidor profissional, você deve empenhar-se em mudar sua personalidade” (ELDER, 2004, p. 46). Assim, não é de se estranhar que algumas corretoras brasileiras ofereçam serviços de psicólogos a seus clientes.

Para qualquer tentativa de mudança temos que conseguir nos livrar das crenças. Isso não é fácil, pois elas funcionam como nosso alicerce intelectual, como base de uma estrutura psíquica que nos sustenta ao mesmo tempo em que nos empobrece. As crenças nos reasseguram nos impedem de termos de conviver com dúvidas. Acontece que, como dizia Ortega, nosso vigor intelectual está diretamente relacionado com nossa capacidade de suportar dúvidas. Costumamos preferir explicações apressadas e singelas ao convívio doloroso com as dúvidas. Porém, a criatividade humana depende de nos dispormos a vivenciar o estado de desconforto próprio dos que não sabem e que são os que poderão, em algum momento, ter idéias – e não apenas repetir com pompa as velhas crenças. (GIKOVATE, 2005, p. 88)

Referências:

ELDER, Alexander. Como se tornar um operador e investidor de sucesso. 13a ed. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2004. 305 p.

GIKOVATE, Flávio. O mal, o bem e mais além: egoístas, generosos e justos. São Paulo: MG Editores, 2005. 155 p.

Giovani Damiano




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