terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O risco do hedge: comentários para o mercado de café


Para aqueles que acreditam que hedge é suficiente para se proteger do risco de preços, lamentamos informar que não, não é. Este artigo esclarece que em algumas ocasiões, o hedge pode estar sujeito a tantos lucros ou prejuízos quanto especulação com contratos futuros. Em vista disso, assumir no mercado de derivativos uma posição contrária à do mercado à vista – definição de hedge – não é suficiente para garantir margens operacionais mínimas à comercialização de determinados tipos de café físico.
Essas margens, sejam estas lucrativas ou não no momento da proteção, necessitam de um gerenciamento ininterrupto. Devem-se acompanhar rigorosamente as posições assumidas e as mudanças nos mercados para eventualmente alterar a estratégia frente aos novos fatos. O intuito é maximizar a rentabilidade do hedge, definindo quando encerrar antecipadamente a posição no físico ou quando alterar a estratégia no mercado de futuros. Para cada cenário de possibilidades, uma atitude reativa deve estar previamente traçada.
Todos os participantes das atividades comerciais de uma commodity estão sujeitos ao risco de variação de preços locais, que dependem essencialmente dos fundamentos e das cotações internacionais, além do desempenho da economia mundial. Como a proteção que pode ser feita é limitada, para contornar esta situação, existe uma ferramenta estatística para minimizar o risco.
Risco de preços para os diferentes participantes
Os produtores são os que correm os maiores riscos: preocupações com disponibilidade de mão-de-obra, clima, qualidade do solo, pragas, manipulação na pós-colheita, eventuais furtos e etc. Enfim, além de terem que se preocupar com o processo produtivo que resultam no tipo de café, também precisam ficar atentos às cotações do mercado físico para saber se os esforços foram lucrativos ou não. A indústria precisa apenas se preocupar em quando comprar e em quanto pagar no mercado local para processar o café. Já os maquinistas compram de cooperativas, corretores ou produtores para beneficiar o grão e têm a mesma preocupação da indústria. Os exportadores também compram internamente a preços locais, mas para futuramente embarcar com base em referenciais externos, isto é, vendem a preços externos em dólar, por isso sofrem riscos adicionais com as variações cambiais.
Em todos os casos, existe um intervalo temporal entre a operação de compra e/ou venda, e nesse período a variação de preços pode tanto ser favorável como desfavorável. No sentido de mitigar essas variações, existe a opção em preservar a rentabilidade (positiva ou negativa) do negócio através do hedge. A proteção pode ocorrer em contratos futuros, opções, contratos a termo e swaps. As duas primeiras ocorrem nas bolsas de futuros, enquanto as duas últimas, no mercado de balcão (overt-the-counter, ou OTC). No artigo, abordaremos apenas a proteção através das bolsas.
Há também os corretores internacionais, que são o meio de comunicação entre os compradores externos e os vendedores nacionais. Eles recebem comissão pelo volume de negócios feitos e preços praticados. Estes agentes não são relevantes para este artigo por não terem necessidade de hedgear (proteger) o café. O hedge que devem fazer é com o câmbio, para proteger o poder de compra de sua comissão em moeda local.
Conceito de diferencial
O tipo de café é definido pela bebida, peneira (tamanho do grão) e quantidade e tipos de defeitos (natureza intrínseca e extrínseca). O café negociado na bolsa de Nova Iorque é o arábica tipo “C” (café lavado). Já na bolsa de Londres, é o café robusta. A bolsa dá o referencial de um tipo específico de café, assim grãos inferiores sofrem um deságio, pois valem menos, e superiores, um ágio por valer mais. A diferença de cotações entre a qualidade da bolsa com outros tipos é chamada de diferencial.
Função das bolsas
As bolsas internacionais de futuros teoricamente refletem, em tempo real, o preço justo do café em nível global. Elas são necessárias, pois a produção ocorre em poucas esferas locais, enquanto o consumo é geograficamente disperso. Como o consumidor quer pagar o menor preço possível por determinado tipo de café, ele vai procurar a região que esteja vendendo ao melhor preço e embutir o custo de transporte para saber qual a melhor opção. Por isso, não importa qual o preço adequado que o produtor deveria receber em cima dos custos incorridos, vende mais quem cobra menos. Em outras palavras, os mais eficientes têm mais vantagens.
Porém, as bolsas estão sujeitas a diversas variáveis não apenas ligadas ao mercado de café, consequentemente são observadas distorções nos preços dos contratos futuros que podem prejudicar produtores, indústria ou exportadores. De qualquer forma, as oscilações de preço do produto físico podem desfavorecer os agentes ao piorar os preços de venda ou de compra numa data futura, trazendo prejuízos para atividade. Por isso, a importância em se proteger e buscar um fluxo de caixa previamente definido. As estratégias no mercado de futuros e opções são múltiplas, cada qual com seus respectivos custos, podendo atender a qualquer tipo de necessidade, por isso, são customizadas (únicas para cada cliente em específico).
Risco do hedge
Vamos discutir agora o basis risk (risco de base ou de prêmio). Basis é igual ao preço presente do físico menos cotação do contrato de bolsa com vencimento futuro (em geral o primeiro contrato vigente). O risco de base é a variação nessa diferença causada por alterações não proporcionais entre os dois preços – que devem estar na mesma unidade de medida ao se realizar o cálculo –, ou seja, é o risco intrínseco ao hedge. Note-se que o cálculo do basis e do diferencial é o mesmo, portanto, o basis risk é tanto a diferença entre a qualidade dos tipos de café, mais o risco que está embutido numa ocasional mudança de preços até o vencimento futuro [1] .
Para visualizar o risco do basis, basta pensar nos oito possíveis cenários de mudança. Só não há alteração quando a subida, descida ou estabilidade é idêntica para o café físico e o contrato futuro. Pequenas variações são toleráveis e esperadas em um hedge, mas as variações bruscas são preocupantes.

BASISFÍSICOFUTURO
aumentasobeestável
sobe +sobe -
estáveldesce
desce -desce +
diminuiestávelsobe
sobe -sobe +
desceestável
desce +desce -

Taxa ótima de hedge
Por conta desses oito possíveis cenários, podemos dizer que especular basis tem elevada relação risco/retorno. Já é difícil prever o comportamento futuro da bolsa ou do mercado físico, quanto mais os dois juntos. Entretanto, o comportamento do basis é sazonal, enquanto as oscilações nos contratos futuros e preços de cotação do café físico não seguem um padrão temporal. Por isso, operar basis visando reduzir a vulnerabilidade à volatilidade de preços é uma estratégia adequada. O basis dá a indicação de quando ficar comprado em físico e vendido e futuro ou vice-versa. Mas seu uso é delimitado pela correlação entre o físico e o futuro. Se a correlação for muito baixa, fica difícil enxergar um padrão no basis e, a partir disso, aconselhamos o uso da seguinte ferramenta.
Vamos imaginar que nossa carteira contenha apenas dois ativos: o café físico e o contrato futuro, cada qual oscilando de maneira distinta, apesar da alta correlação em muitos tipos de café. A volatilidade nos dois preços é o risco de base, conforme vimos. Correlação é o quanto uma variável acompanha a variação da outra numa escala que varia de -1 a + 1. Para minimizar o risco de preços desta carteira, precisamos calcular a proporção de proteção em ambos os ativos de forma a determinar o ponto que minimiza ambas as variâncias e, portanto, o risco.
Não vamos entrar em detalhes sobre os cálculos estatísticos, mas, para constar, basta derivar a variância do basis para encontrar seu ponto de mínimo e achar a taxa ótima de hedge que deve ser feita. Isto é, qual a proporção entre contratos futuros e de café físico negociar. Por exemplo, se o valor encontrado for +70% de hedge, isso significa que para cada 100 sacas compradas (vendidas) de físico, deve-se ter 70 sacas vendidas (compradas) em futuros. Por outro lado, se for -10%, então, para cada 100 sacas compradas (vendidas) de físico, o ideal é também comprar (vender) 10 sacas em contratos futuros. Isso é um hedge, apesar de invertido e parecer uma especulação!
Mesmo ao determinar a taxa ótima de hedge, ainda persistem problemas. Estamos trabalhando com dados históricos e o passado não necessariamente indica o que vai acontecer no futuro. Isso quer dizer que a proporção de hedge feita hoje pode mostrar-se inadequada amanhã. Além do mais, existe a dificuldade na seleção do tamanho da amostra. Misturar períodos que claramente tem um padrão estatístico de preços diferentes é um erro. Em conclusão, saber calcular a taxa ótima de hedge não é suficiente se estes dois fatores anteriores não forem ponderados pela sensibilidade do analista.
Conclusão
Para casos em que as correlações entre as variáveis aleatórias começam a se alterar e perder a relevância ou até inverter, pensar nessa ferramenta de minimizar a variância da carteira é uma forma de proteção adequada, apesar de anti-intuitiva ao indicar um hedge, que para os leigos, mais se caracterizaria como especulação. A sensibilidade dos analistas está em reunir os argumentos para explicar qual o tamanho da amostra usar e por quanto tempo serão válidos. Esse tipo de informação é o que valoriza e diferencia as análises de uma consultoria.

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[1] A ortodoxia econômica explica que quando as expectativas mudam ou não são satisfeitas, as cotações dos contratos futuros se alteram.

Giovani Damiano – economista pela Unicamp, é responsável pelo departamento de Planejamento e Estatísticas da C.R.M. Pharos

Haroldo Bonfá – economista pela USP, com experiência de 30 anos na indústria de café, é diretor da C.R.M. Pharos